junho 22, 2009

o diploma é só um papel com uma fonte feia

Essa discussão do diploma tem duas abordagens. Uma trata da importância do diploma para a prática do jornalismo. Outra trata da importância do diploma para os estudantes e os cursos de jornalismo.

Quanto à importância para a profissão em geral, para a prática do jornalismo, acho que iniciativas como a criação de um conselho de jornalismo são muito mais importantes. A profissão vai continuar existindo. Ela pode (e deve) ser regulamentada, sem a exigência do canudo. O fato de derrubarem a exigência do diploma não significa que agora o jornalismo vai ser praticado por um bando de amadores. A profissão continua. Os jornalistas profissionais continuam existindo, com a diferença de que eles não precisam ser formados em jornalismo.

O piso salarial, que é outra pauta importante para a prática do jornalismo, também vai continuar existindo, para todos os jornalistas, formados ou não. A discussão sobre as diretrizes dos cursos de jornalismo também vai continuar. Os cursos vão ser regulamentados e avaliados, mesmo que não sejam obrigatórios. A questão da formação continua.

A crise do jornalismo também está aí.
Acho que tem várias coisas muito mais importantes que poderiam mobilizar estudantes e sindicados.

Eu estou feliz com o fim do diploma. Não concordo com quase nenhum argumento usado para derrubá-lo. Acho uma besteira dizer que a exigência do diploma fere a liberdade de expressão das pessoas. Você não precisa ser jornalista para escrever em um jornal, e, mais importante, você não precisa escrever num jornal para exercitar a sua liberdade de expressão.

Aquele outro argumento tosco para derrubar a exigência, de que o Machado de Assis escrevia em jornal, é mais um indicativo de que não precisa ser jornalista para escrever num jornal do que qualquer outra coisa. Qualquer um pode escrever um TEXTO sobre futebol, literatura, um acidente que aconteceu no dia anterior. Mas para escrever uma REPORTAGEM sobre essas coisas, precisa ser jornalista. Eu só não acho que precisa fazer curso de jornalismo para ser jornalista e escrever matérias.

Entrei na faculdade e estou saindo outra pessoa. O curso me preparou para um monte de coisas, acho que estou capacitada para ser jornalista. Mas não acho que seja só em cursos de jornalismo que as pessoas podem aprender a profissão. Inclusive, o melhor aproveitamento que fiz da estrutura do curso e dos professores foi fora da sala de aula.

Quanto à importância do diploma para os estudantes e os cursos de jornalismo, eu acho que vale lembrar da seleção que o mercado faz. E não acho que o fim da exigência do diploma seja um chute no saco de quem estuda e se esforça para ser um bom jornalista.

Os bons jornalistas não vão se preocupar com os concorrentes que não têm diploma, eles se preocupam com os concorrentes em geral.

Se preocupem em ter um texto impecável, que seja claro e que tenha uma estrutura perfeita. Tentem desenvolver vários estilos (texto sério, texto narrativo e fluído, texto bem humorado), tentem ter boa noção de pauta, exercitem a criatividade. Se esforcem na apuração. Saibam quando usar o lead clássico e quando abrir com uma descrição. Saibam quando o novo jornalismo é uma boa alternativa e quando não tem nada a ver com o que está fazendo. Saibam fazer bons títulos, pois é um exercício que desenvolve mais um monte de outras aptidões. Busquem ter uma boa base de conhecimentos e cultura. Saibam compreender ou conceber um projeto editorial. Desenvolvam uma noção estética e gráfica, aprendam no mínimo o básico de editoração, conheçam pelo menos algumas tendências de diagramação, saibam casar essa noção estética à noção de um projeto editorial redondo e de como cumprir melhor a sua proposta. Conheça ao menos o básico de alguns suportes, conheça a linguagem e da edição dos diferentes suportes. Conheçam bastante de internet. Mesmo que você não seja fanático, internet é super importante. Cada vez mais, se preocupar com jornalismo é se preocupar com internet. Domine quase plenamente a linguagem e a forma do suporte de que você mais gosta. Corram atrás de inovações, pensem em como complementar a sua formação, pensem no que tem lugar no futuro. Acompanhem a crise da mídia. Leiam textos de especialistas, de blogueiros, de futuristas da mídia e de economistas para saber do que está acontecendo, do que está sendo feito e do que tem dado certo. Assim você poderá juntar esse conhecimento às noções que desenvolveu de projeto editorial, de inovações e de jornalismo e concluir o que você deve fazer para - depois que a crise arrasar com os empregos, veículos e alterar completamente a prática e a realidade da profissão - continuar sendo jornalista, do tipo de jornalista reformulado, da pós-crise, que não ficou anacrônico. Ah, e façam contatos.

O curso que eu fiz dá condições razoáveis para que bons profissionais saiam de lá. Ele dá condições de desenvolver o que está citado aqui. Garanto que, se alguém fizer todas essas coisas, não vai se preocupar com os concorrentes, sejam eles diplomados ou não.

Acredito que, no aspecto da competitividade, o fim da exigência só vai fazer com que as faculdades de jornalismo melhorem, pois elas precisarão se fazer necessárias, não vão ter um mercado cativo. Eu, como estudante de jornalismo, estou super contente com o fim do diploma.
A exigência do diploma não resolvia o problema das faculdades ruins sendo abertas aos montes, por exemplo. O fim da exigência vai dar surtir um efeito legal nesse aspecto. Não é um chute no saco de quem estuda e se esforça para ser jornalista, é um chute no saco das faculdades e estudantes ruins. Os bons estudantes de jornalismo, de boas escolas, não têm nada com que se preocupar.

No final das contas, acho que a perda que as faculdades e os estudantes de jornalismo sofreram com essa decisão vai ser boa para a prática do jornalismo em geral e para os jornalistas bons.

É válido levantar que algumas empresas são contra a obrigatoriedade do diploma porque elas querem achatar os salários, mas também não é um raciocínio absoluto. Só para citar de exemplo, a Folha é contra o diploma, mas os casos que conheço de colegas que foram para lá começaram ganhando mais do que os que foram para o Estadão, que exige o diploma. Os veículos precisam ser preocupados com qualidade, isso não necessariamente quer dizer serem preocupados com o diploma.

As empresas que querem aproveitar o fim da exigência do diploma para achatar os salários não são preocupadas com qualidade, e vão passar pela crise do jornalismo do mesmo jeito. Sendo que já está claro que simplesmente cortar gastos não é uma maneira de sobreviver à crise.

Por tudo isso, acho mais recomendável que quem quiser se mobilizar corra atrás do conselho, do piso, das diretrizes dos cursos...

3 comentários:

  1. Sou contra o fim do diploma. Lógico que o fato de ter diploma não nos livra dos profissionais ruins, mas isso existe em qualquer profissão.
    Sobre fazer um bom texto, ser conciso, ter ideias claras, escrever na ordem direta, colocar o mais importante primeiro e outras informações adicionais depois foram técnicas que aprendi na faculdade, porque no jornal que eu trabalho ninguém tem tempo para ficar ensinando ninguém. Isso sem falar nas técnicas de rádio, TV e assessoria de imprensa. O profissional deve ter sim um diploma, deve ter um conselho que o defenda e uma categoria unida (este último, por sinal, uma utopia no Brasil).
    E outra coisa. Sem diploma, qualquer Zé das Couves pode agora abrir um jornaleco, com os mais variados interesses, que podem ferir determindas pessoas.
    Além disso, é bom diferenciar jornalista de articulista, colunista e comentarista. Tenho certeza de que um ex-jogador tem muito mais condições de comentar um jogo de futebol do que um jornalista formado. Porém, não terá a técnica e habilidade necessária para fazer uma matéria jornalística.
    O diploma pode ser só um enfeite na parede para você e outros que também pensam assim. Mas pra mim é resultado de quem buscou a melhor formação para ser o melhor profissional possível. A pessoa que quer ser jornalista e não quer fazer faculdade, é, no mínimo, preguiçosa e aproveitadora.

    ResponderExcluir
  2. Abrir jornais para ferir pessoas sempre aconteceu, declaradamente ou não. Qual o problema em punir crimes nesse âmbito pelo código penal?
    Não sei um diploma pode fazer uma categoria, quanto mais, uni-la.
    Também não sabia que jornalistas não podiam ser articulistas, colunistas e comentaristas. Eles só estudam técnicas na faculdade? Não tem bagagem cultural? Experiências de vida?
    No jornal "que eu" trabalhar, os talentosos não-acadêmicos que se cuidem. Aproveitadores!

    ResponderExcluir
  3. Concordo com você, e ainda acho uma verdade possível a outros cursos.

    Recentemente li este ebook (http://u.nu/2qae4): Sociedades sem escolas, de Ivan Illich.

    Em parte seus argumentos batem com o que ele escreveu.

    ResponderExcluir

Compartilhe!